CACHORRADA
Antonio Pereira Sobrinho
Um rapaz herdou de seu pai um pequeno sítio e logo se casou. Ali reinava paz e alegria.
O rapaz e sua linda esposa tinham tudo que precisavam: Um belo cavalo para os passeios e compras na cidade, um toro, três vacas com bezerros, (quando desmamavam os bezerros eram vendidos), um jumento para carregar lenha e capim para o gado, mais de 50 galinhas e muitos frangos (garantia de ovos e carne), uma quantidade boa de cajueiros e árvores frutíferas, espaço para um bom roçado, uma pequena baixa (de onde tiravam o capim do gado e bombeavam a água do cacimbão direto para o encanamento da casa) e um cachorro para vigiar a casa. Era uma casa pequena mas equipada: Geladeira, fogão a gás, televisão, aparelho de som, sofá, mesa, cadeiras, cama, uma forrageira e as miudezas básicas de toda casa.
Tudo era autosustentável, os donos e os animais passavam muito bem. O dono plantava arroz, milho e feijão. A dona tinha uma horta. Os frangos davam a carne e as galinhas os ovos. As vacas fornecia o leite e seus derivados. A venda do que sobrava do consumo mais a venda das castanhas e a venda dos bezerros garantia despesas com roupas, saúde, energia e outras necessidades básicas. De vez em quando, dava até para se bancar um "luxo". O milho alimentava as galinhas e sobrava para passar na forrageira, juntamente com o bagaço do caju e o capim fazendo a nutritiva e suculenta ração para o gado bovino, o cavalo e o jumento.
Porém passados alguns anos de pura paz e prosperidade, sem explicação aparente o cachorro criou rincha com as galinhas e começou a persegui-las, corria atrás, mordia, fazia o maior alvoroço.
O dono acorrentou o cachorro. As raposas aproveitaram a oportunidade e comeram as galinhas e os frangos. E o cavalo acabou se dando mal. Como? O que uma coisa tem a ver com a outra?
Bem, depois que as raposas comeram as galinhas, o dono do sítio, precisou vender toda a produção de milho para poder comprar carne e ovos e ainda faltou dinheiro. Então para reduzir custos, o fazendeiro começou entre, outras coisas, reservar, é claro, a mistura da forrageira, já menos balanceada, apenas para as vacas, deixou o cavalo e o jumento pastarem juntos num pequeno cercado separado.
O cavalo parece ter ficado nervoso com aquela humilhação e para botar sua raiva para fora resolveu atacar o jumento, que apesar de menor reagia sempre com fúria.
O dono ficou aborrecido de ver aqueles dois animais brigando e estragando o pouco pasto existente, resolveu fazer uma troca do cavalo numa moto. Fez a troca com um Senhor já, aposentado, que estava arrependido de ter comprado aquele maldito equipamento que o medo não o deixava pilotar.
O Senhor aposentado não tinha muito que fazer. Seu passa tempo preferido até morrer foi andar pra cima e pra baixo em seu, mal alimentado, cavalo. Eu não disse que o cavalo se deu mal!
O problema para o jumento é que, depois que o cavalo se deu mal, quem se "ferrou" foi ele. O dono percebendo que a moto não empacava, era mais veloz, que com uma carroça adaptada era melhor para realizar seus afazeres no sítio e que o espaço usado pelo jumento para pastar poderia ser usado para plantar, resolveu abandonar o jumento na beira de uma estrada. O pobre jumento foi atropelado. Dessa vez quase todo o restante da população do sítio se deu mal. Como? O que uma coisa tem haver com a outra?
No acidente com o pobre jumento que morreu, o motoqueiro que o atingiu ficou muito ferido e impossibilitado de trabalhar. Denunciou e processou o dono do jumento. O dono do jumento teve que pagar um advogado, lá se foi o gado e a moto. Endividou-se, entrou na bebedeira, a mulher o deixou. Vendeu o sítio, deu a parte da mulher, pagou uma indenização ao motoqueiro e ainda ficou devendo nos botecos. Foi morar num barraco, num sítio vizinho, trabalhando em troca de comida, roupa usada e cachaça.
A mulher pegou sua parte na venda do sítio, se apaixonou por um cabra sem futuro, cheio da lábia. O safado a deixou sem nada. Ela acabou trabalhando de empregada na casa de uma tia.
Mas o ex dono do sítio, que já fora um paraíso, não se achou um total fracassado. Cheio da cachaça, declarou em alto e bom tom para todo mundo ouvir, que era um homem feliz, mesmo depois de tudo de ruim que lhe aconteceu, graças ao seu cachorro, que se manteve fiel, e lhe acompanhava a todo lugar. O cachorro era sua razão de viver.
O cachorro teve uma longa e boa vida: nunca mais foi acorrentado, nunca lhe faltou uma boa comida, pois seu dono gostava mais de beber do que de comer e em todo açougue que passava pegava restos para seu amado cachorro.
E assim o cachorro fez como muitos políticos, tipo Sarney, fazem: inicia todo um desequilíbrio (com projetos mal elaborados, negociatas, roubos...) e depois de muitas desgraças, quase impossível de provar, mas fruto de suas próprias iniciativas, aparecem como heróis, salvadores da pátria, consoladores das dores. E os desequilibrados ainda os aplaudem e os alimentam mais uma vez com o saboroso "osso do voto".